segunda-feira, 9 de julho de 2007

A automação no processo produtivo

A automação no processo produtivo:
desafios e perspectivas
Bruciapaglia, A. H., Farines, J.-M.; e Cury, J. E. R.
Departamento de Automação e Sistemas
Universidade Federal de Santa Catarina
1. Introdução:
A automação dos processos industriais é vista por economistas, dirigentes de
empresas e pela sociedade, como meio importante para a construção e consolidação
do processo de modernização do parque industrial brasileiro. O contexto de
globalização e competitividade crescente e as mudanças sociais decorrentes têm
exercido forte influência no sentido da aceleração do processo de automação do setor
industrial. Desenha-se, ainda, no alvorecer do século XXI, o advento de uma economia
baseada em conhecimento, onde, para ser competitiva, a nação deverá ser capaz de
gerar o seu próprio conhecimento, a sua própria tecnologia.
Neste artigo, considerando a nossa visão do processo de modernização do setor
industrial no Brasil, discutiremos alguns dos desafios que se apresentam e caminhos
para enfrentá-los, defendendo a tese de ser necessário ao país um choque de boa
engenharia de automação.
2. Desafios da automação no Brasil
Para a evolução do processo de modernização centrado na automação,
apresentam-se ao país vários desafios relevantes, não apenas tecnológicos e
organizacionais mas também sociais.
O processo de automação crescente no qual a indústria nacional está envolvida
diferencia-se segundo os setores e tamanho das empresas. Em alguns setores e
empresas opta-se pela compra de equipamentos e sistemas inteiramente
automatizados, "key-on-hands", freqüentemente adquiridos no exterior. Estes se
configuram muitas vezes como soluções tecnológicas ultrapassadas, não
completamente apropriadas, e de manutenção e evolução dependentes do fornecedor
da tecnologia. Em outros setores e empresas, o nível de automação encontra-se
reduzido à utilização localizada de informatização, instrumentação, máquinas
automatizadas, robôs, sistemas CAD/CAM etc. Por fim, há empresas que apresentam
diferentes níveis de integração de alguns destes elementos ou de organização do
sistema de informação. Este contexto apresenta desafios distintos para o planejamento
e implementação de soluções para os problemas de automação, cabendo ressaltar que
uma abordagem incremental sem uma visão global destes não leva de forma natural e
obrigatória a soluções otimizadas.
· Com que instrumentos metodológicos enfrentar o problema da modernização
de plantas industriais em diferentes níveis de automatização com a garantia
de eficiência na melhoria do processo produtivo?
Por outro lado, algumas indústrias produtoras de equipamentos e fornecedoras de
serviços e consultorias na área, encontram-se, apesar de um certo atraso devido a
políticas industriais inadequadas, numa situação de amplo crescimento e, em certos
casos, a um nível tecnológico que lhes permite competir internacionalmente.
· Como aumentar o nível de competência técnica atingido pelas empresas de
engenharia, acompanhando os avanços tecnológicos mundiais e promover o
desenvolvimento de novas empresas no setor?
Um sistema de automação é o resultado de uma organização complexa onde
intervêm pessoas, equipamentos, materiais, e atividades. Cada elemento tem seus
próprios conhecimentos técnicos, recursos e informações e a integração destes, em
todos os níveis, técnicos e sociais, é a chave do sucesso. Na integração da informação
encontram-se vários desafios tecnológicos devidos à complexidade e à especificidade
desta questão caracterizada por: grande número de elementos com níveis diversos de
autonomia, distribuição, inteligência e acoplamento; grande diversidade de técnicas e
visões do problema; exigências de comportamento preciso e robusto com tempos de
resposta críticos; e restrições cada vez mais severas do ponto de vista humano,
ambiental e de segurança. Além do mais, automação não se resume apenas à solução
de problemas tecnológicos e de integração mas envolve desafios ainda maiores em
termos organizacionais, sociais e educacionais.
· Como levar em conta simultaneamente as questões tecnológicas,
organizacionais e sociais? De que forma, com que metodologias e
ferramentas, encontrar soluções que permitam atender as exigências de
produtividade e flexibilidade e, ao mesmo tempo, responder efetivamente às
restrições que impõem o meio ambiente, a segurança e o respeito ao ser
humano?
O substrato sobre o qual o processo de automação vem sendo construído tem
origem, principalmente, numa formação - não adaptada à dinâmica imposta pela rápida
evolução tecnológica - baseada em conhecimentos técnicos transmitidos em disciplinas
de graduação e pós-graduação de cursos das engenharias tradicionais, sem o caráter
multidisciplinar e integrador que o processo necessita. Assim, a automação, entendida
nas diversas formas anteriores, ocorre muitas vezes num contexto onde a indústria
usuária, e seus engenheiros, apresentam grandes lacunas de formação para
planejamento, operação, manutenção e otimização dos sistemas automatizados, sendo
obrigados a adquirir a capacitação necessária ao processo de automação ao mesmo
tempo em que ele acontece.
· Como suprir a necessidade de uma mão de obra especializada, criativa,
conhecedora das novas tecnologias e adaptada a uma evolução tecnológica
rápida?
Por sua vez, a pesquisa na área de automação industrial encontra-se
disseminada em vários centros, laboratórios e departamentos universitários,
financiados pelo governo, muitas vezes em contato com a indústria nacional.
Entretanto, a atuação conjunta manifesta-se em geral através da resolução de
problemas pontuais e específicos de engenharia e pouco na questão fundamental da
integração e na pesquisa propriamente dita.
Considerando as necessidades da indústria nacional, a complexidade e a
diversidade dos problemas, os desafios em vários domínios e a perspectiva de uma
estreita colaboração entre indústrias e universidades sobre problemas concretos,
descortina-se um conjunto de oportunidades que favorecem a evolução dos
conhecimentos nesta área.
· Como podem os diferentes atores (Governo, Empresas e Universidades)
enfrentar os desafios anteriores para que o processo de automação se torne
o mais eficiente possível e para garantir a evolução na produção de novos
conhecimentos?
3. Caminhos e perspectivas
A melhoria do processo de automação em curso no país requer a soma de
esforços no sentido de: adotar-se abordagens metodológicas que priorizem
muldisciplinaridade e integração; definir-se uma política científica geral e de automação
em particular, garantindo os meios de sustentá-la; promover-se a capacitação de
profissionais com visão sistêmica.
Abordagens metodológicas para o processo de automação
Seja qual for o nível em que o processo de automação de uma empresa se
encontre, os diversos aspectos que nele intervêm (aos tecnológicos somam-se os
organizacionais e sociais, aumentando a complexidade) condicionam a sua abordagem
com visão multidisciplinar. Equipes de projeto devem ser capazes de trabalhar além
das fronteiras específicas das disciplinas envolvidas e identificar a combinação
adequada de tecnologias que fornecerá a solução otimizada ao problema.
Neste contexto, as dificuldades de integração e cooperação entre os diversos
elementos presentes no sistema a automatizar permitem evidenciar que a solução dos
problemas tecnológicos da automação não pode resultar da simples justaposição de
técnicas e metodologias, mas justificam o enfoque do problema como um todo. O
processo de automação requer uma abordagem integrada na seleção de meios para
resolver seus problemas de planejamento, implantação e otimização.
Um sistema industrial, independentemente do setor ao qual pertença, pode ser
visto como um sistema dinâmico de grande porte, caracterizado pela existência de
problemas que envolvem a tomada de decisão e ações de controle em diferentes níveis
hierárquicos. Consideramos como ponto de partida a capacidade de construir modelos
que permitam a representação desses problemas para seu posterior tratamento. Os
modelos devem: contemplar as diversas visões abstratas do sistema nos seus vários
níveis hierárquicos; ser consistentes na sua diversidade; ser adequados aos problemas
específicos e ao tipo de variáveis envolvidas. Em suma, o desenvolvimento de uma
visão sistêmica aprofundada é fundamental para a criação e utilização de metodologias
e ferramentas que permitam a análise de comportamento e desempenho do sistema
automatizado e o projeto de soluções otimizadas e seguras para este.
Um "Sistema de Ciência"
Segundo relatório da OCDE [OCDE 96] o Sistema de Ciência de uma nação, cujo
núcleo básico é constituído pelos laboratórios de pesquisa e instituições educacionais
públicos, tem um papel cada vez mais importante na nova economia baseada em
conhecimento. Com efeito, a sua missão envolve: a produção de conhecimento,
desenvolvendo e gerando novos conhecimentos; a transmissão do conhecimento,
difundido-o através da formação de profissionais e da educação do ser humano e a
transferencia do conhecimento, através do fornecimento de soluções para problemas
reais.
Cabe ao governo o papel de assegurar e subsidiar a criação de ciência para o
bem-estar social. Entretanto, como potencial beneficiário dos resultados da produção
de novos conhecimentos, é necessário que o setor privado some esforços investindo
em pesquisa. Como em outros setores estratégicos, no caso da automação, a definição
de uma política científica pelo Estado e a obtenção de subsídios públicos e privados
para desenvolve-la, tornam-se indispensáveis, sob pena de dependência e de
estagnação do processo de modernização do setor industrial. A falta de investimento
em produção de ciência torna insustentável a médio e longo prazos a participação
efetiva numa economia baseada em conhecimento.
Também, na economia baseada em conhecimento, a aprendizagem se torna
extremamente importante, tanto para os indivíduos quanto para empresas ou nações. A
formação e o treinamento de um número crescente de cientistas e engenheiros é
crucial e se constitui num desafio para o futuro, tornando, portanto, necessária a
existência e manutenção de pesquisa nas universidades, laboratórios e indústrias.
Entretanto, apesar da demanda crescente, os recursos diminuem pondo em perigo a
função de transmissão de conhecimentos e a formação dos futuros profissionais.
A transmissão e disseminação do conhecimento é nesta nova economia tão
importante quanto a sua produção, sendo imprescindível a existência de redes de
distribuição de conhecimento, de sistemas nacionais de inovação e de colaboração
universidade/indústria. Um equilíbrio tem que ser encontrado entre a necessidade para
os cientistas de gerar conhecimento novo a partir das suas próprias idéias e a de
enfrentar os desafios apresentados pelo mundo industrial que, muitas vezes na história,
tornaram-se fontes de importantes desenvolvimentos científicos. A melhoria das
relações universidade-empresa, que pode se dar em cima de questões concretas, é o
caminho a trilhar para atingir este equilíbrio e avançar no sentido da maior
competitividade do setor industrial.
Uma formação em automação
Um dos requisitos indispensáveis para a automatização do setor industrial,
detendo o controle do conhecimento e do processo, reside na melhoria da capacitação
dos seus profissionais nas novas técnicas de automação e integração através de
cursos de graduação, pós-graduação e reciclagem, baseados numa visão
multidisciplinar da área. Na graduação, o recente estabelecimento de uma habilitação
de Engenharia de Controle e Automação ([Res. 427/CONFEA/99], [Port. 1694MEC/94])
e a criação de vários cursos em importantes universidades do país (UFMG, UFSC,
UNICAMP, USP [H-P]) vai neste sentido.
Estes cursos contêm os ingredientes para pensamento e prática diferenciados
dos encontrados nas engenharias tradicionais. A aprendizagem das metodologias e
modelos que servem de base para a integração dos diversos aspectos do problema,
são a sua característica principal. Esta formação, que envolve, ainda, a aquisição de
conhecimentos em diversas áreas (elétrica, mecânica, química, informática) permite ao
novo engenheiro integrar-se com facilidade em equipes multidisciplinares envolvidas
em projetos de automação, aportando a visão integradora adquirida no curso e as
metodologias e ferramentas para abordar o problema em todos seus aspectos.
Neste processo de formação, a participação ativa do setor industrial é altamente
desejável para o desenvolvimento dos cursos. Essa participação pode se dar nos
processos de avaliação dos cursos, na redefinição e adequação dos seus currículos,
na construção de novos e modernos laboratórios para atividades de ensino e pesquisa
e na oferta de oportunidades de estágio e de projetos que permitam ao estudante testar
suas habilidades e treinar as técnicas e aptidões ensinadas.
4. Conclusão
A automação encontra-se hoje no centro do processo de modernização da
economia brasileira. A resposta aos desafios para uma automação bem sucedida
encontra-se na conjunção dos importantes fatores a seguir: o uso de abordagens
metodológicas que considerem, simultaneamente, os aspectos tecnológicos,
organizacionais e sociais do problema; a definição e implantação de uma política
científica na qual Governo, Indústria e Universidade participem efetivamente, nos seus
respectivos papeis; e a formação em automação orientada a uma nova atitude do
engenheiro, mais criativa e com as habilidades necessárias em termos de
multidisciplinaridade e integração.
5. Referências:
[OCDE 96] "The Knowledge-Based Economy", Organization for Economic Cooperation
and Development. Paris 1996, OCDE/GD (96) 102.
[Res. 427/CONFEA/99] RESOLUÇÃO Nº 427 - de 05/03/ 1999: Discrimina as
atividades profissionais do Engenheiro de Controle e Automação.
[Port. 1694MEC/94] Portaria 1694, de 5 de Dezembro de 1994, D.O.U., 12/12/94.
[H-P] http://www.mcca.ep.usp.br/grad/mecatr.html; http://www.das.ufsc.br/;
http://www.convest.unicamp.br/cursos/ecauto.html;
http://www.controle.eng.ufmg.br

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